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Foto do escritorNathalie Durel

“O Ser Terapeuta”





Devido a um crescimento constante das diversas formas de terapias nos últimos anos (sejam elas de foro físico, psicológico, mental ou espiritual) julguei importante ajudar a esclarecer o que é “Ser Terapeuta”.  Para isto, iniciarei com um texto retirado da obra “Os Terapeutas” de Fílon de Alexandria, filósofo judeo-helenista (25 a.C. a 50 d.C.), na qual ele descreve uma comunidade de terapeutas peculiares, nos arredores de Alexandria, que cuidam do Ser numa perspectiva de visão holística: corpo, alma e espírito, “não separando o que o próprio Deus uniu”.

 

«Não é inútil interessamo-nos pelos Terapeutas de Alexandria, esses homens e essas mulheres do primeiro século da nossa era podem ajudar-nos a clarificar aquilo que “colocamos” por detrás da palavra “terapeuta”.

O que é um terapeuta?

A palavra terapeuta em grego significa, primeiro, tratar, tomar conta.

O Terapeuta não cura, trata. É a natureza que cura, é a Vida que cura. O papel do Terapeuta é criar, ou permitir melhores condições, de modo a que a cura possa acontecer. O Terapeuta não cura, mas cria o espaço, o meio, a atmosfera, as condições favoráveis para que a cura tenha lugar. O Médico, no sentido maior do termo, é a Natureza, e o Terapeuta está presente para colaborar com ela.

O Terapeuta não cura, “toma conta”». (1)

 

Este texto antigo porém muito sábio nos obriga, a meu ver, a reflectir sobre o nosso papel como terapeuta. Não só sobre os limites da nossa actuação terapêutica mas também sobre uma questão primordial que é: Mas ao final, quem sou eu para me julgar capaz de “tomar conta” do outro? (de um ponto de vista moral e humano e não unicamente porque consegui obter vários diplomas)

Esta pergunta nos leva então a considerar “porque” e “como” chegamos a escolher esta profissão ou/e vocação. Muitas respostas podem surgir mas todas estão ligadas a um certo nível ao facto de que a um momento dado da nossa vida fomos confrontados com a dor (nossa e/ou dos outros) e que este confronto fez que tomamos a decisão de um modo consciente ou inconsciente de nos identificarmos com o arquétipo do terapeuta.

Onde há ferida, tem que haver cura, e, onde há cura, é porque houve ferida.

Quando a psicologia analítica se refere à imagem primordial ou ao arquétipo do "Curador”, não se refere à existência de uma imagem concreta com presença no tempo e no espaço, mas a uma imagem interior em operação na psique humana. A expressão simbólica desse fenómeno psíquico são as figuras e as imagens dos Grandes curadores, santos, profetas, sábios e xamãs, reproduzidos nas criações artísticas e nos mitos da Humanidade. Por esta razão, é importante que cada terapeuta esteja consciente do que os pacientes podem projetar encima dele. E se o Ego dele não estiver no seu devido lugar, lidara de forma negativa e ate perigosa com esta projeção.

Cuidar dos outros, sem que primeiro tratemos de nós, é perigoso. O facto de nos identificarmos com o arquétipo do curador pode fazer com que nos percamos nele.

Posso dar uma imagem muito simples para explicar a dinâmica entre um terapeuta e o seu paciente. Quando o paciente nos consulta procurando ajuda, encontra-se “cheio” do seu conteúdo de sofrimentos, queixas, sintomas ou seja, a sua história pessoal. Metaforicamente, é como se ele estivesse a carregar um contentor repleto de coisas das quais se irá desfazer no nosso espaço terapêutico. Pela lógica, o terapeuta (para poder receber este conteúdo) precisa de ter o espaço adequado, ou seja, vazio, para o receber. Caso o terapeuta esteja inundado de problemas pessoais (conscientes mas principalmente inconscientes) não resolvidos, ele, identicamente ao paciente, está com um contentor cheio nos braços. Consequentemente, quando o paciente tenta depositar o seu conteúdo no espaço terapêutico, já não encontra lugar. A pior situação verifica-se quando o terapeuta “descarrega” (de um modo inconsciente) o seu fardo em cima do paciente, que sai da consulta ainda com todo o seu conteúdo, mas também com o do terapeuta que “descarregou” nele a sua carga. Esta carga pode ser energética, psicológica, mental ou espiritual. (2)

Considero que todo terapeuta digno desse título e independentemente da sua área de actuação, deve pôr em prática aquilo a que eu chamo “higiene física, mental, emocional e espiritual”. Isto quer dizer que deve regularmente submeter-se a vários tipos de terapias, como por exemplo a psicoterapia, a limpeza energética, a dietética, praticar alguma disciplina de desporto, fazer meditação, a terapia sacro-craniana, inclusive rever a sua visão espiritual (além de muitas outras coisas, cada um deve encontrar o que for mais adequado ao seu processo de crescimento interno) para converter-se num “canal” limpo de actuação terapêutica para tratar os seus pacientes. Alias, podemos verificar que Os Terapeutas de Alexandria consideravam esta prática de terapia pessoal como fazendo parte do código ético deles.

 

«Portanto, no tempo de Fílon o terapeuta é um tecelão, um cozinheiro; ele cuida do corpo, cuida também das imagens que habitam em sua alma, cuida dos deuses e do logos – palavras que os deuses dirigem à sua alma – é um psicólogo. O terapeuta cuida também da sua ética, isto é, vigia o seu desejo para se ajustar ao fim que fixou para si; este cuidado “ético” pode fazer dele um ser feliz, “são” e simples (não dois, não dividido em si mesmo), isto é, um sábio».(3)

 

O famoso mito do centauro Quíron, o curador ferido, ensina-nos que, antes de se cuidar de outra pessoa, é preciso cuidar e tratar de nós mesmos. No final do mito, a cura de Quíron só acontece quando ele aceita ser levado para o mundo do Hades onde morrerá para poder ser transformado. Só depois da sua própria aceitação de que precisa de mudar (ou seja tratar-se), é que Zeus o imortaliza, numa iluminação eterna através de uma constelação. Simbolicamente, representa para o terapeuta a necessidade de aceitar a sua própria transformação para alcançar a individuação, e encontrar então o seu verdadeiro caminho como terapeuta. Ou não.....

 

Bibliografia

(1) (3)Leloup J.Y: “Cuidar do Ser”, Ed.Vozes – BR

(2) Durel N.: “O feminino reencontrado”, Ed. Ariana - PT

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